Departamentos Estatais de Armadilhas para Ciclistas
Revista Bicicleta por André Geraldo Soares 10/12/2013
Foto: Eu vou de bike
As
cidades estão repletas de perigos, dificuldades e transtornos para os
ciclistas. A omissão abrange todos os setores da administração pública:
ruas apertadas e adensadas formam uma infraestrutura hostil aos
ciclistas e pedestres, o descuido e a soberba de motoristas e ciclistas
são consequência da ausência de programas de educação para o trânsito, e
a escalada crescente de violência viária resultam da falta de
fiscalização e de punição às infrações.
Deste modo, o poder público assume
uma postura de “pedala quem quer”. Não sejamos ingênuos: grosso modo, as
prefeituras, os governos estaduais e o federal não desejam ciclistas
nas ruas e, por isso, deliberadamente, tratam de não lhes oferecer
nenhum agrado. Para a mentalidade dos gestores urbanos, os ciclistas são
um problema, e não uma solução para a mobilidade urbana. Assim sendo,
no mais das vezes, se negam a cumprir seus deveres constitucionais e,
quando sucede qualquer tragédia, se isentam de culpa entregando a
responsabilidade à insensatez dos ciclistas ou à imprudência dos
motoristas.
Por isso, torrando os impostos que
todos nós pagamos, o Estado entrega avenidas, rodovias, trevos e
viadutos que não enganam ninguém. São obras de engenharia que declaram
bem explicitamente: “ei, ciclistas e pedestres, aqui nós te
devoraremos!”.
Mas ao oferecer alguma
infraestrutura específica para o uso da bicicleta como meio de
transporte, a situação é diferente: o administrador público está, com
isso, estimulando as pessoas a pedalar. E se a infraestrutura é
inacabada ou mal feita, ela assemelha-se a uma arapuca.
Infraestruturas como ciclovias e
ciclofaixas são necessárias - em várias partes da maioria das cidades
médias, pelo menos - para dar segurança ao pedalar, mas se elas não
possuírem qualidade técnica, tornam-se perigosas.
Isto é particularmente importante
quando tratamos com crianças, idosos e pessoas com pouca destreza. Tais
concidadãos não se sentem confiantes em disputar uma avenida com carros,
motos e caminhões – temor este que seria pleno de fundamentos até para
adultos habilidosos. Portanto, uma ciclovia ou ciclofaixa novinha pode
ser a deixa que faltava. Mas se a ciclovia carece de sinalização, se é
mal interseccionada com o restante da estrutura viária, se possui
bueiros rebaixados ou outras falhas, tal ciclovia deixa de cumprir seu
objetivo.
E não se trata apenas de segurança,
mas também do conforto. Não é incomum encontrarmos vias ciclísticas
demasiado estreitas para a demanda de ciclistas (o que também é
perigoso), ou que alagam durante as chuvas, ou ainda com o pavimento
muito mais ondulado do que o asfalto da avenida paralela. Quanto mais
problemas possuem as vias ciclísticas, menos atraentes elas são e
maiores são as chances de encontrarmos ciclistas pedalando fora delas e,
portanto, se aventurando em meio aos carros.
É bem difícil mesmo concebermos que
pessoas com diploma, que fizeram promessas durante a campanha eleitoral
ou que fizeram concurso público, todos sujeitos ao controle jurídico,
planejem e instalem ardis para prejudicar justamente aquelas pessoas que
pagam os seus salários.
Mas como interpretar que uma
ciclovia seja implantada contígua a uma movimentada avenida sem que seja
instalado um bendito semáforo para lhe incorporar ao trânsito? Como
explicar que as ciclofaixas permaneçam inacabadas ou desconectadas entre
si? Como devemos entender que as autoridades de trânsito fechem os
olhos para os carros estacionados sobre as ciclovias? Como ajuizar que,
entra prefeito e sai prefeito, as cidades continuem sem planejamento
para a integração das bicicletas ao sistema de mobilidade urbana? Como
se conformar com ciclorrotas demarcadas que sequer têm reduzidas a
velocidade máxima das vias? O que devemos deduzir quando uma obra
qualquer interrompe uma ciclovia, sem alternativas provisórias para seus
usuários? Como se conformar com o fato de que, entra ano e sai ano, o
nosso país simplesmente não publique regulamentação técnica para a
infraestrutura cicloviária?
Temos duas alternativas para
explicar isso: ou a incapacidade, ou o desprezo. Ou a falta de
inteligência, ou a provocação. Ou o poder público está continuamente
errando, ou está constantemente nos apresentando ciladas.
Dá a impressão de existir, na
união, estados e municípios, Departamentos para a Construção de
Armadilhas para Ciclistas. E só existe uma maneira da administração
pública deste e dos futuros mandatos refutar esta interpretação:
aplicando políticas públicas profundas, continuadas e sérias. E não para
contentar os ciclistas, mas para conferir decência à mobilidade urbana.
Para isso é indispensável criar
espaços de debate e deliberação com a sociedade civil, realizar estudos e
pesquisas, aplicar recursos financeiros necessários para a construção e
manutenção de infraestrutura de qualidade e instituir a integração de
todas as áreas da administração pública (Ministérios, Secretarias
Estaduais e Municipais etc.) para a conversão da atual cultura de
mobilidade urbana, cultura esta que se polariza entre presas e
predadores.
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