Desculpe amigo, eu não vi você. Essa é uma frase pronta
usada por motoristas em todo o lugar. Seriam estes motoristas
descuidados e perigosos, ou eles realmente não viram você?
Publicado na Revista Bicicleta, Publicado originalmente por Andreas, em www.londoncyclist.co.uk Adaptado por Artur Berberian Filho em 13/08/2013.
Foto: Comstock Images;
De
acordo com um relatório de John Sullivan, da RAF (Royal Air Force, ou
Força Área Real da Grã-Bretanha), a resposta pode ter repercussões
importantes para a forma de treinar motoristas e para que os ciclistas
andem seguros nas ruas.
John Sullivan é um piloto com mais de 4.000 horas de vôo em sua
carreira e além de ser um ciclista entusiasta ele também é um
investigador de acidentes. “Pilotos têm que lidar com velocidades de
mais de 1.600 km/h. Quaisquer falhas são analisadas de perto para
extrair lições que podem ser de uso diário”, diz John.
Nossos olhos não foram projetados para dirigir
Nossos olhos, e da maneira que nosso cérebro processa as imagens que
eles recebem, são muito adequados para desviarmos de um animal correndo
ou que esteja em nosso caminho em baixa velocidade.
Mas estas ameaças estão em grande parte desaparecendo e foram
substituídas por veículos viajando em nossa direção em altas
velocidades. E para isso, nós ainda não estamos adaptados para lidar.
Por que?
A luz entra nos nossos olhos e cai sobre a retina. Em seguida, é
convertida em impulsos elétricos, que o cérebro percebe como imagens.
Apenas uma pequena parte da sua retina, o bit chamado centro da fóvea,
pode gerar uma imagem de alta resolução. É por isso que temos de olhar
diretamente para alguma coisa, para ver detalhes.
O restante da retina não reflete imagem de alta resolução, mas
contribui adicionando a visão periférica. No entanto, apenas 20 graus
longe de sua linha de visão, sua acuidade visual é de cerca de 1/10 do
que é no centro.
Tente fazer este teste e veja a quantidade de detalhes que você perde em sua visão periférica:
1. Fique a 10 metros de distância de um carro.
2. Mova os olhos e olhe apenas a largura do carro para a direita ou para a esquerda.
3. Fixando o seu olhar na esquerda ou na direita, tente ler os números da placa do carro.
4. Tente novamente o teste a 5 metros de distância.
O teste mostra muito bem como os pequenos detalhes não são capturados
pelos olhos. Isso não quer dizer que não podemos ver algo em nossa
visão periférica - é claro que podemos! Quando você se aproxima de um
cruzamento, você perceberia rapidamente um caminhão enorme que está se
aproximando, mesmo com o canto do olho – obviamente sendo um objeto
maior, o mais provável é vê-lo. Mas você poderia ver uma moto ou um
ciclista?
Para ter uma boa chance de ver um objeto em rota de colisão,
precisamos mover nossos olhos e, provavelmente, a cabeça, para trazer o
objeto para o centro da nossa visão - para que possamos usar a nossa
visão de alta resolução da nossa fóvea para resolver o detalhe.
Quando você move sua cabeça e olhos para digitalizar uma cena, seus
olhos são incapazes de mover-se suavemente e registrar tudo. Em vez
disso, você pode ver na imagem em uma série de saltos muito rápidos com
pausas muito curtas e é só durante as pausas que uma imagem é
processada.
Seu cérebro preenche as lacunas com uma combinação de visão
periférica e uma suposição de que o que está nas lacunas deve ser o
mesmo que o que se vê durante as pausas.
Isso pode parecer loucura, mas, na verdade, seu cérebro bloqueia a
imagem que está sendo recebida, enquanto seus olhos estão se movendo. É
por isso que você não vê o tipo de imagem borrada, que você vê quando
olha para o lado de fora de uma janela do trem. A única exceção a isso é
se você quiser acompanhar um objeto em movimento.
Outro teste para fazer, se você não está convencido:
1. Olhe para um espelho.
2. Olhe repetidamente de seu olho direito para seu olho esquerdo.
3. Você pode ver seus olhos se movendo? Você não pode.
4. Repita o teste com um amigo e repare. Você vai ver os olhos dele se movendo muito acentuadamente.
Você não pode ver os seus próprios olhos se moverem porque seu
cérebro desliga a imagem no instante em que seus olhos estão se
movendo.
No passado, isso serviu-nos bem. Isso significava que podíamos nos
aproximar de animais sem que o nosso cérebro fosse sobrecarregado por
detalhes desnecessários e muitas imagens desfocadas inúteis.
No entanto, o que acontece quando o sistema é colocado em uso em uma
situação moderna, como um cruzamento de tráfego? Por que perdemos motos e
bicicletas?
Em um cruzamento de tráfego todos, até o pior dos motoristas, vai
olhar em ambas as direções para verificar o tráfego. No entanto, é
perfeitamente possível para os nossos olhos "pular" uma bicicleta ou uma
moto que se aproxima. Quanto menor for o veículo, maior será a
probabilidade de ser despercebido.
Isto não é caso de um motorista descuidado, é uma incapacidade humana
de não ver durante uma observação muito rápida. Daí a razão para tantos
"Desculpe amigo, eu não vi você".
Quanto mais rápido você move sua cabeça, maiores os saltos e menor as
pausas de imagens. Portanto, você tem mais uma chance de “perder” um
veículo. Além disso, temos ainda o ponto cego.
Mas não utilizamos a visão isoladamente, mas sim em conjunto com
outros sentidos. Nossos ouvidos podem nos ajudar a construir uma imagem
de nosso entorno. No entanto, dentro de nossos carros ou com música, o
nosso cérebro se distrai de outro sentido útil. Além disso, as
bicicletas são quase completamente silenciosas, principalmente para
condutores de automóveis.
Como os acidentes acontecem
Vamos dizer que você está dirigindo. Você se aproxima de um
cruzamento e percebe que não há tráfego. Você olha para a esquerda e
direita e segue em frente. De repente, você ouve um barulho de freiada e
uma buzinada, e como num piscar de olhos surge uma moto na frente de
você, evitando por pouco um acidente.
O que aconteceu? Em sua abordagem, você não podia ver que havia outro
veículo em rota de colisão. Com a falta de movimento relativo para a
sua visão periférica para detectar e sendo o veículo potencialmente
escondido por estar perto da coluna da porta, você o perdeu
inteiramente.
Embalado em uma falsa sensação de segurança, você olhou rapidamente
para a direita e para a esquerda e para evitar segurar o tráfego atrás
de você, seus olhos “pularam” o veículo que se aproximava, especialmente
por que ainda estava perto da coluna da porta ou no cantinho do
para-brisas. O resto da estrada estava vazio e este foi o cenário que o
seu cérebro usou para preencher as lacunas! Assustador, não?
Você não estava sendo desatento - mas você estava sendo ineficaz.
Além disso, se você não leva em consideração que um ciclista pode estar
andando pela via pública, é muito provável que o seu cérebro “pule” esta
possibilidade e monte uma paisagem vazia.
Agora que você foi avisado, o que pode fazer?
Homem prevenido vale por dois, então, aqui vão algumas orientações do que podemos fazer:
Motoristas:
- Reduza a velocidade na aproximação de uma rotatória ou cruzamento.
Mesmo que a via pareça vazia. Alterar a velocidade vai permitir que você
veja os veículos que seriam invisíveis para você.
- Um olhar nunca é o suficiente. Você precisa ser tão metódico e
deliberado como um piloto de caça seria. Concentre- se em pelo menos
três pontos diferentes ao longo da estrada para a direita e esquerda.
Observe de perto, meia-distância e de longe. Com a prática, isso pode
ser feito rapidamente, e cada pausa é apenas por uma fração de segundo.
Pilotos chamam isso de "vigia scan" e é vital para a sua sobrevivência.
- Sempre olhar fixo e repetir pelo menos duas vezes. Isto dobra a sua chance de ver um veículo.
- Dê uma olhada ao lado dos pilares do para-brisas. Melhor ainda, se
incline um pouco para a direita e esquerda, de modo que você esteja
olhando ao redor da janela da porta.
- Limpe sua trajetória de vôo! Ao mudar de faixa, verifique seus
espelhos e como uma última verificação, olhe diretamente para o local,
que está indo para a manobra.
- Dirija com as luzes acesas. Veículos ou roupas brilhantes são
sempre mais fáceis de detectar do que as cores escuras que não
contrastam com uma cena.
- É especialmente difícil detectar bicicletas, motos e pedestres durante as condições de sol baixo.
- Mantenha o seu para-brisas limpo.
- Por fim, não seja um distraído - se você está olhando para o seu
telefone celular, então você é incapaz de ver muito mais. Não só você
está, provavelmente, olhando para baixo em seu colo, mas seus olhos
estão focados em menos de um metro e todos os objetos à distância
estarão fora de foco. Mesmo quando você olhar para cima e para fora,
leva uma fração de segundo para os seus olhos se ajustarem - este é o
tempo que você pode não ter.
Ciclistas e motociclistas:
- Reconhecer o risco de serem
“pulados” pela percepção dos motoristas. Roupas de alto contraste e
luzes ajudam. Em particular, luzes de LED (frontal e traseira) são
especialmente eficazes para ciclistas, pois criam o contraste e atraem a
visão periférica da mesma maneira que o movimento faz. Não há nada de
errado em usar estes durante o dia.
- Ao se aproximar de um cruzamento,
olhe nos olhos do motorista e tenha a certeza que ele o viu. Saiba que
se você não olhar nos olhos dele, a probabilidade de ele te “pular” é
maior, e então o deixe ir primeiro.
- Reconhecer que, com um sol baixo,
um para-brisas sujo ou com uma chuva, os motoristas são susceptíveis de
ter menos chance de vê-lo.
- Guias de ciclismo vêm dizendo há
anos: Ande em uma posição mais longe do meio-fio onde é mais provável um
motorista perceber você.
O que devemos fazer com a nossa fraqueza humana? Descobertas como a
de John Sullivan e sugestões são excelentes. No entanto, eles dependem
de mudança de hábitos bem incorporados. “Pessoalmente, creio que, ao
contrário de pilotos da RAF, é muito improvável que um motorista mude o
seu comportamento. Portanto, eu diria que esta é outra razão pela qual
se deve investir na construção de segurança para nossas vias, com
infraestrutura ciclística no estilo holandês", diz John.