Inpirado em matéria postada no site Massa Crítica
Nunca
andamos tanto de bicicleta – e por isso mesmo nunca houve tão pouco
espaço para elas. E para mudar isso só há um caminho: acabar com a
miopia urbanística dos governantes
Cada um de nós tem uma escolha a fazer sobre como chegar ao trabalho
todas as manhãs. Podemos ir de carro, a pé, de transporte público, de
táxi, de moto, de bicicleta. Há prós e contras para todas as opções.
Ônibus é mais barato, mas também não é nenhuma pechincha: em São Paulo,
onde a passagem custa R$ 3, um mês de ida e volta de ônibus custa R$ 180
por pessoa, 30% do valor do salário mínimo. E é infernal: implica muito
aperto, muito tempo perdido, muito susto com motoristas estressados… (e
quem não se desequilibraria passando o dia no trânsito?).
É tão ruim que uma minoria crescente da população opta por ter um
carro. A vida com carro não é boa, mas é muito melhor do que dentro do
ônibus. Os vidros fumê, o ar condicionado e a música ambiente dão a
sensação de que está tudo bem, apesar de Sodoma e Gomorra lá fora. Ter
carro é caro: custa mais de R$ 1 mil por mês, se tudo for colocado na
conta (impostos, estacionamento, gasolina, depreciação do veículo). E há
vários contras para o resto da cidade: essa opção implica poluição,
piora do clima, custos para a saúde. Além dos usuários de
transporte público e carro, há quem prefira caminhar (a escolha mais
barata), outros andam de táxi. E há quem opte pela bicicleta.
Bicicleta só não é mais barato do que caminhar. E, além do custo
baixo, ela é boa para quem pedala (evita obesidade, depressão, doença
cardíaca, câncer, melhora o sono, o sexo, a disposição) e para a cidade
(reduz o trânsito, não emite poluentes, não piora o clima e reduz gastos
públicos com saúde).
A prefeitura de Copenhague calculou que, a cada
quilômetro que uma pessoa anda de carro, a cidade gasta R$ 0,30. A cada
quilômetro pedalado por uma bicicleta, a cidade ganha R$ 0,70 (com o
incremento do turismo, por exemplo). Ou seja, abrir espaço para
bicicletas é bom para todo mundo.
A boa notícia é que nunca se pedalou tanto. Só na cidade de São Paulo
o número dos deslocamentos de bicicleta subiu de 47 mil por dia em 1987
para 147 mil em 2007 (data das estatísticas mais recentes). Isso é
quase o dobro dos deslocamentos de táxi (78 mil). Em países bem
administrados, os cidadãos são estimulados a escolher aquilo que é
melhor para todos. Na Bélgica, por exemplo, ciclistas pagam menos
impostos. Já no Brasil, pedestres e ciclistas são punidos com a falta de
espaço.
O prefeito é o responsável por construir infraestrutura para a
cidade. Ele cobra impostos de todos os habitantes e, com esse dinheiro,
tem a obrigação de tornar o espaço público adequado para todo mundo. Nas
cidades brasileiras, a maior parte dos investimentos no espaço público é
tradicionalmente voltada para quem anda de carro – o dinheiro que a
prefeitura toma de todo mundo é gasto com um só grupo.
Por quê? Por inércia. Na nossa cultura política, o que rende voto é
obra monumental – basicamente grandes viadutos e avenidas. Não por
coincidência, as empreiteiras que fazem essas obras são as grandes
financiadoras das eleições. Ou seja, o dinheiro doado na campanha volta
multiplicado ao bolso de quem “doou”. Esse ciclo vicioso, por si só, não
é o responsável pela quase inexistência de infraestrutura para
ciclistas no Brasil, mas ajuda. É que as obras viárias matam dois
coelhos dos políticos com uma cajadada só: rendem contratos gordos para
os financiadores de campanha e votos, muitos votos. Mas essa é uma visão
caduca.
Não é de hoje que bom urbanismo ganha eleição – e não é exagero
concluir que essa tendência vive um auge histórico. O caso do Bike Rio
serve de exemplo. Trata-se de um sistema de aluguel de bicicletas a
exemplo do Vélib´, de Paris: você aluga a bicicleta num ponto e devolve
em outro.
Esperavam que o sistema tivesse 7 mil usuários. Pouco depois
da inauguração, em outubro de 2011, eram 45 mil. Moral da história:
construa uma boa infraestrutura, e a bicicleta como meio de transporte
virá – para o bem de todos.
Olhar com atenção para esse assunto não é só uma questão de
urbanismo, inclusive, mas de segurança pública. Em março, a ciclista
Juliana Ingrid Dias morreu esmagada por um ônibus na Avenida Paulista,
em São Paulo. Ela foi uma entre os 3 ciclistas mortos no Brasil naquela
semana. José Carlos Lopes, o motorista do ônibus que a matou, disse que a
conhecia, que a via todos os dias, que ela era consciente, cuidadosa,
educada, “tinha noção do espaço dela”. Mas não havia espaço para ela. E
enquanto a visão urbanística dos nossos prefeitos continuar míope, as
mortes não vão parar.
retirado da Super Interessante
por Denis Russo Burgierman
por Denis Russo Burgierman